Entrevista com Yossi Sheffi (MIT)

14 dez 2021
Yossi Sheffi, do MIT, fala nesta entrevista sobre seu novo livro

"COVID-19 impulsionou o protagonismo da cadeia de suprimentos"

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Yossi Sheffi, diretor do MIT Center for Transportation and Logistics

Sobre o especialista O Dr. Yossi Sheffi é professor de engenharia de sistemas no Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde atua como diretor do MIT Center for Transportation and Logistics. Ele é um especialista em otimização de sistemas, análise de risco e gerenciamento da cadeia de suprimentos, assuntos que investiga no MIT. Também é autor de várias publicações científicas e livros sobre gerenciamento da cadeia de suprimentos, resiliência e estratégias de logística. O Dr. Sheffi ganhou vários prêmios, incluindo o Prêmio de Serviço Distinto do Conselho de Gerenciamento de Logística, bem como o Prêmio Salzberg por liderança e inovação destacadas no gerenciamento da cadeia de suprimentos.

Mecalux entrevista Yossi Sheffi, diretor do MIT Center for Transportation and Logistics, para analisar como o COVID-19 está transformando empresas e cadeias de suprimentos.

  • Quais são os pontos-chave de seu livro mais recente, The New (Ab)Normal: Reshaping Business and Supply Chain Strategy Beyond Covid-19?

    COVID-19 nos ensinou muitas lições sobre a cadeia de suprimentos. Por exemplo, a grande mídia, incluindo a grande mídia nos Estados Unidos e na Europa, não tem conhecimento do funcionamento das cadeias de suprimentos. Os jornalistas tendem a refletir o pior cenário possível.

  • Em que sentido?

    Durante a pandemia, muitos meios de comunicação afirmaram que as cadeias de suprimentos haviam falhado, quando não era correto. Aliás, em setores como o alimentício, foi o melhor momento para a cadeia produtiva. Quando o COVID-19 estourou e forçou o fechamento de restaurantes, universidades e indústrias, as empresas se adaptaram rapidamente às mudanças repentinas nas regulamentações e aos novos hábitos de consumo. As pessoas estavam muito preocupadas com a falta de estoque e isso era um erro porque, em geral, a cadeia de suprimentos continuava funcionando. Executivos, gerentes e operadores da cadeia de suprimentos também foram os heróis desta pandemia.

    O COVID-19 tem acelerado a implantação de novas tecnologias na cadeia de suprimentos e uma das áreas com maior expansão tem sido a robótica em armazéns.
  • Em seu livro, menciona que em 2022 o mercado mundial de robôs de armazém quadruplicará. Como o COVID-19 está acelerando a automação na cadeia de suprimentos e armazéns?

    Sem dúvida, em alta velocidade. O COVID-19 tem acelerado a implantação de novas tecnologias na cadeia de suprimentos e uma das áreas com maior expansão tem sido a robótica em armazéns. Isso se deve a dois motivos: primeiro, os robôs não são contagiosos, não precisam ser vacinados nem usam máscara e trabalham 24 horas. Em segundo lugar, não há trabalhadores suficientes nos Estados Unidos para preencher as vagas disponíveis. A falta de mão de obra tem impulsionado a automação, em geral e, em particular, fomentado a robótica nos armazéns. Um dos principais benefícios da automação e da robótica é que, se ocorrer um erro, o algoritmo é corrigido para que jamais ocorra novamente.

  • Yossi Sheffi acha que os executivos e operadores da cadeia de suprimentos também foram os heróis desta pandemia
    “Executivos, gerentes e operadores da cadeia de suprimentos também foram os heróis desta pandemia.”

    Como as empresas podem prever e gerenciar interrupções?

    Para começar, precisam estar preparadas para enfrentar todos os tipos de cenários. A maioria das empresas pensa que deve se preparar para as situações prováveis. Mas, na realidade, eventos imprevisíveis, como o COVID-19 ou o desastre nuclear de Fukushima, são mais perigosos porque têm um impacto maior. Quem poderia imaginar que o Japão, o país mais bem preparado para lidar com terremotos, não pudesse prever essa tragédia? É sempre mais fácil planificar eventos que ocorreram no passado, porque as decisões são tomadas com base na experiência. Para eventos que nunca aconteceram, a única opção é recorrer à resiliência.

  • O que significa resiliência?

    Resiliência é um conceito herdado da ciência dos materiais que se refere à capacidade de um material retornar à sua forma original após ser deformado. Aplicada à cadeia de suprimentos, a resiliência reflete a capacidade de uma empresa de recuperar seu nível de serviço, fabricação e distribuição após sofrer uma interrupção. Para se preparar para a resiliência, as empresas podem desenvolver um organograma da cadeia de suprimentos que lhes permita entender quem são os atores envolvidos em cada fase. Eles também precisam descobrir o que fazer se não puderem entregar todos os produtos e quais clientes priorizar. Outro aspecto fundamental é centralizar as informações na tomada de decisões para garantir os melhores resultados.

  • O que não mata o fortalece

    As crises são uma oportunidade de identificar bons clientes, colaboradores e fornecedores para apostar. Também é um bom momento para fazer mudanças na empresa se, por exemplo, houver áreas, processos, fornecedores ou clientes que não estão à altura da tarefa. As crises são uma oportunidade de ver quem está comprometido contigo a longo prazo.

  • Que oportunidades o COVID-19 nos deixa para a cadeia de suprimentos?

    Um dos aspectos positivos do COVID-19 é que impulsionou o protagonismo da cadeia de suprimentos. Quando as pessoas perguntaram à minha esposa o que seu marido estava fazendo no MIT e ela respondeu que ele trabalhava na cadeia de suprimentos, elas não sabiam o que era. Agora todos estão cientes da importância da cadeia de suprimentos. Seu papel vem se consolidando nas empresas e cada vez mais estudantes se interessam pelo setor. Prova disso é que as solicitações de nossos programas no MIT estão aumentando de forma espetacular. A cadeia de suprimentos é um bom caminho de carreira porque controla todos os elos do negócio, dos fornecedores ao transporte, passando pela fabricação, distribuição e devoluções.

    No passado, a cadeia de suprimentos era um trabalho mais masculino associado apenas a caminhões e armazéns. Com o advento da tecnologia, a profissão se sofisticou e o número de mulheres aumentou. Em nosso mestrado em logística do MIT, este ano nossos alunos são 50% homens e 50% mulheres. É ótimo ver a quantidade de talento sendo despejada na cadeia de suprimentos, algo impensável há 20 anos. O talento feminino só pode melhorar a profissão.

  • Adquirir tecnologia sem pensar no problema a resolver é um erro comum
    “Alguns dos erros que as empresas às vezes cometem é adquirir tecnologia sem saber exatamente que problema resolver.”

    O que mais podemos aprender com o COVID-19?

    A pandemia também acelerou a adoção de novas tecnologias. Antes do COVID-19, a compra de um software podia levar meses ou anos. Durante a pandemia, muitas empresas incorporaram tecnologias em seus processos em questão de semanas. Às vezes, tão rápido que até assinavam contratos sem ler as letras pequenas. Isso fez com que algumas empresas passassem a ter comitês que estudam formas de agilizar a adoção de tecnologia como fizeram durante a pandemia, mas com todas as garantias legais.

  • Que outros grandes desafios as empresas enfrentam em suas cadeias de suprimentos?

    Infelizmente, durante a COVID-19, havia barreiras comerciais e restrições à exportação de vacinas. Quando as matérias-primas se tornarem escassas, veremos como o aumento da demanda forçará certos países a limitar suas exportações. Essa situação é uma má notícia, principalmente para o mercado de chips, pois, o consumo dessa tecnologia está aumentando exponencialmente. A falta de chips é um problema sério porque leva anos para construir uma fábrica e é um processo arriscado. Certa vez, conversei com o CEO de uma das maiores fabricantes de chips sobre os riscos de seu negócio e ele disse: “Deixe-me explicar o que significa risco. Cada certo tempo, decidimos cavar um grande buraco no solo para construir uma fábrica de chips e enterramos quatro bilhões de dólares na esperança de que, depois de alguns anos, o investimento fosse recompensado. Quando tomamos essa decisão nem sabemos se a ciência nos acompanhará nesse processo, mas somos obrigados a apostar nisso, no presente”. Isso é risco!

    Outro desafio relacionado ao gerenciamento da cadeia de suprimentos tem a ver com a aplicação de novas tecnologias, já que é necessário perder tempo analisando onde tecnologias como blockchain ou a Internet das coisas podem encaixar e onde não podem. Alguns dos erros que as empresas às vezes cometem é adquirir tecnologia sem saber exatamente que problema resolver.

  • Ao adotar novas tecnologias, por que algumas empresas são mais avessas ao risco do que outras?

    Existem empresas em que a experimentação faz parte do DNA, enquanto outras são mais avessas ao risco. Para entender isso, vamos comparar a empresa X com a empresa Y. A empresa X é uma empresa experimental e muito bem-sucedida. Ao desenvolver um novo produto ou software, o produz diretamente, sem esperar, e incorpora o comentário do usuário posteriormente. Possíveis sugestões de melhorias são rapidamente aprovadas e incorporadas. Por outro lado, a empresa Y nunca produz nada sem antes realizar repetidos testes para garantir a qualidade do produto. Dez a quinze anos atrás, a Empresa Y assumiu a ameaça representada pela empresa X e tentou emular algumas de suas estratégias, mas seu sucesso foi limitado. É muito difícil mudar a cultura das empresas.

  • Como seria o mundo sem a cadeia de suprimentos?

    Sem a cadeia de suprimentos, o comércio não existiria. A cadeia de suprimentos é fundamental para o comércio porque garante as entregas, integrando a compra e a distribuição dos produtos. Este processo já existia nos antigos mercados da Babilônia. Sem a cadeia de suprimentos, voltaríamos a nos defender, a ser autossuficientes: teríamos que caçar ou construir nossa própria casa sem pedir nada emprestado a ninguém. Voltaríamos à Idade da Pedra.

    A cadeia de suprimentos faz o mundo funcionar; é a mão invisível da economia. Tanto os compradores quanto os vendedores recebem incentivos para fazê-lo funcionar. Se a relação entre um comprador e um vendedor for interrompida, o vendedor procurará outros compradores e vice-versa. A cadeia de suprimentos não precisa de uma mão para puxar os cordões porque cada ator da cadeia tem incentivos para resolver seus problemas da melhor maneira possível. O que é interessante sobre o processo é que a cadeia de suprimentos não precisa de um cérebro, pois, o próprio sistema é o cérebro.

Crédito da foto: Yossi Sheffi - PopTech - Reykjavik Islândia por Árni Torfason for PopTech sob licença CC BY 2.0