
PESQUISA LOGÍSTICA
Por Lise Magnier e Ignacio Gil-Pérez
A embalagem de bens de consumo ou fast-moving consumer goods (FMCG) permitem a distribuição segura de produtos e fornecem informações aos consumidores. No entanto, também representam um impacto ambiental significativo. Cada cidadão europeu descarta em média 174 kg de resíduos por ano, sendo quase a totalidade embalagens descartáveis. Sua produção consome uma grande quantidade de matéria-prima e as soluções de reciclagem para alguns materiais permanecem imperfeitas. Embora as taxas de reciclagem de vidro (76%) e metal (83%) sejam elevadas na Europa, esses processos consomem muita energia e geram gases de efeito estufa. Além disso, 60% das embalagens plásticas do continente são incineradas ou enviadas para aterros sanitários.
A filosofia do desperdício zero e a economia circular se destacam entre as estratégias que surgiram para melhorar a sustentabilidade ambiental das embalagens. Ao contrário da economia linear atual, a economia circular desacelera, estreita e fecha os ciclos de materiais e energia através de práticas como design sustentável, manutenção, reparo, reutilização e reciclagem. Assim, o desperdício é entendido como algo valioso e não como um problema.
A reutilização permite uma segunda vida para embalagens e materiais já em circulação sem serem processados ou remanufaturados, o que resulta em menos resíduos do que a reciclagem. É por isso que a Hierarquia Europeia de Resíduos a classifica como a segunda melhor opção para a redução de resíduos. Além disso, a Fundação Ellen MacArthur afirma que, com um valor estimado de US$ 9 bilhões ao nível global, a reutilização pode ser uma solução para 20% das embalagens plásticas, tornando-se uma alternativa atraente para as empresas.
A reciclagem é uma alternativa atraente para empresas que poderiam destinar 20% das embalagens plásticas. Seu valor estimado é de US$ 9 bilhões em todo o mundo
Recarregável vs. retornável
As embalagens reutilizáveis podem ser divididas em duas categorias: sistemas recarregáveis, nos quais o consumidor as limpa e as reabastece, e sistemas retornáveis, que são preparados e reabastecidos repetidamente pelas empresas da cadeia de suprimentos. E não é novidade. Por exemplo, na indústria de refrigerantes dos EUA, 100% das embalagens eram reutilizáveis em 1947, mas em 2000, esse número caiu para 1% devido às latas de metal e às garrafas plásticas PET.
Para suportar o uso a longo prazo, as embalagens reutilizáveis devem ser robustas, o que normalmente exige mais energia e matéria-prima para sua fabricação. Portanto, para que as embalagens reutilizáveis sejam mais sustentáveis do que suas contrapartes descartáveis, devem ser utilizadas além do seu ponto de equilíbrio ou limite de lucratividade.
Embalagens reutilizáveis serão mais sustentáveis do que embalagens descartáveis, desde que sejam usadas além do seu ponto de equilíbrio
Nossa pesquisa concentra-se em como embalagens reutilizáveis afetam as intenções comportamentais, de recomendação e compra, as atitudes gerais e percepções sobre o produto, sua qualidade, conveniência e contaminação percebida, bem como a compatibilidade ambiental em relação à embalagem. Sugere-se que a disposição para recomendar pode servir como um indicador do potencial sucesso de um novo produto ou serviço, visto que as opiniões de outros consumidores tendem a ser consideradas mais objetivas do que as de outras fontes.
Para testar a percepção dos consumidores sobre embalagens reutilizáveis em comparação com embalagens descartáveis, conduzimos três estudos com diferentes tipos de produtos. As situações de compra descritas abaixo baseiam-se em um cenário em que um varejista de alimentos online ofereceu a opção de comprar embalagens reutilizáveis, com os participantes pré-selecionados sob a condição de que comprassem online pelo menos uma vez por mês.
Estudo 1: Um produto não perecível
Estímulo visual do Estudo 1: de uso único (esquerda); plástico reutilizável (centro), metal reutilizável (direita)
Para este experimento, escolhemos um borrifador de limpeza multiúso por ser não perecível, o que o torna menos suscetível a problemas de contaminação. Um designer profissional criou três estímulos visuais acompanhavam as suposições lidas pelos participantes. A garrafa descartável era feita de plástico branco rígido e opaco, e as garrafas reutilizáveis eram feitas do mesmo material ou de metal. A inclusão desses dois materiais nos permitiu avaliar se a resposta aos recipientes reutilizáveis se devia à mudança na aparência ou ao seu potencial de reutilização. Todos os três apresentavam a mesma marca fictícia para evitar qualquer viés anterior. A amostra consistia de 90 pessoas, e todas tinham que imaginar estarem comprando em seu supermercado online habitual. No questionário, os participantes classificaram as garrafas em várias escalas de sete pontos.
Comparações múltiplas utilizando a correção de Bonferroni demostraram que os entrevistados eram menos propensos a recomendar embalagens descartáveis do que embalagens reutilizáveis. As atitudes em relação aos artigos reutilizáveis foram mais favoráveis, e o tipo de embalagem utilizado teve um impacto significativo na qualidade percebida do produto. Os resultados mostraram que o tipo de embalagem escolhido também influenciou significativamente as percepções de respeito ao meio ambiente.
Estudo 2: Um produto lácteo embalado
Embalagens descartáveis (esquerda) e reutilizáveis (direita) mostradas no segundo estudo
Esta análise avaliou as reações dos consumidores a um produto lácteo, um produto mais delicado de conservar e com maior risco de deterioração. Um iogurte grego foi selecionado e, novamente, um designer criou dois estímulos visuais idênticos, exceto pela aparência do material. O primeiro recipiente era feito de plástico e era descartável. O segundo era o mesmo, porém reutilizável e metálico. As mesmas escalas do Estudo 1 foram utilizadas e, considerando que desta vez não havia embalagem plástica reutilizável, a aparência estética de ambos os recipientes também foi mensurada usando uma escala Likert de 7 pontos.
Novamente, os resultados indicaram que a maioria da amostra de 91 pessoas eram mais propensas a recomendar a embalagem reutilizável. No entanto, quando se tratava de comprar iogurte grego, os participantes não eram mais propensos a recomprar um tipo de embalagem em detrimento do outro. Apenas pessoas com alta consciência ambiental estavam novamente inclinadas a escolher a embalagem metálica. As atitudes em relação ao iogurte em embalagem reutilizável foram mais positivas, assim como a qualidade percebida do produto e o respeito ao meio ambiente. Diferentemente do primeiro estudo, neste caso, foi observado um efeito significativo do tipo de embalagem na contaminação percebida, com o tipo reutilizável sendo considerado potencialmente mais contaminado do que o tipo descartável. No entanto, essas pontuações foram relativamente baixas.
Estudo 3: Um produto lácteo em uma embalagem reciclada
Embalagens descartáveis feitas de plástico reciclado (esquerda) e embalagens reutilizáveis (direita) mostradas no estudo 3
Assim como no estudo anterior, o iogurte grego foi escolhido por ser um produto sensível, mas foi introduzido um recipiente descartável feito de materiais reciclados. Os mesmos estímulos visuais foram usados no Estudo 2, exceto que o recipiente descartável apresentava um logotipo claramente visível indicando ser feito de plástico reciclado, e 80 pessoas foram entrevistadas.
Os resultados de um teste T de amostras independentes revelou um forte efeito do tipo de embalagem na intenção de recomendar o produto. Embalagens reutilizáveis foram preferidas em relação às embalagens descartáveis feitas de materiais reciclados, e as atitudes em relação a elas foram mais favoráveis. Da mesma forma, os participantes perceberam que o produto reutilizável era de qualidade superior, mas que essa embalagem tinha maior probabilidade de estar contaminada do que a embalagem reciclada de uso único. Novamente, essas avaliações foram baixas. A embalagem reutilizável ainda foi considerada a mais ecológica.
Retorno e transporte convenientes
Os experimentos demostram que, em geral, os consumidores mantêm percepções positivas em relação às embalagens reutilizáveis, mesmo quando se trata de produtos sensíveis à deterioração. Essas percepções são maiores que as de embalagens descartáveis feitas com materiais 100% reciclados, embora os consumidores tendam a considerá-las sustentáveis. Assim, as opiniões dos usuários estão em linha com os princípios da economia circular, onde a longevidade do uso é mais valorizada do que a reciclagem.
Na Hierarquia Europeia de Resíduos, o envio de resíduos para aterros sanitários é considerado a última opção
Este trabalho confirma que existe uma atitude positiva em relação às embalagens reutilizáveis para bens de grande consumo e é encorajadora para designers, gerentes de logística e de produto, e outros atores da cadeia de valor envolvidos no desenvolvimento de embalagens multiuso. Varejistas considerados sustentáveis também podem melhorar a fidelidade à marca entre seus consumidores. No entanto, é importante ressaltar que a aceitação de embalagens reutilizáveis como alternativa às embalagens convencionais depende em grande parte das especificidades de cada sistema de reutilização.
A reutilização e a devolução de embalagens devem ser o mais prático possível para incentivar a aceitação e o sucesso de modelos circulares
Os profissionais devem concentrar seus esforços em tornar a reutilização e a devolução de embalagens o mais conveniente possível. Devem ser projetadas para facilitar o transporte ou, alternativamente, ter um serviço de coleta flexível que permita uma devolução rápida e evite que ocupem espaço em casa. A aceitação e o sucesso desses modelos circulares também são influenciados por fatores como os métodos de devolução das embalagens, sua integração ao processo de compra, a diferença de preço em relação às embalagens convencionais e quaisquer sinais de desgaste que possam apresentar.
AUTORES DA PESQUISA:
- Lise Magnier. Professora Associada de Design para mudança de comportamento Sustentável na Universidade de Tecnologia de Delft (Países Baixos).
- Ignacio Gil-Pérez. Professor Adjunto da Escola de Engenharia e Arquitetura da Universidade de Zaragoza (Espanha).
Publicação original:
Magnier, L., Gil Pérez, I. Should the milkman return? The effect of a reusable packaging on product perceptions and behavioural intentions. Food Quality and Preference, 112, Elsevier (2023).
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