Entrevista com Chirag Shah (Universidade de Washington) sobre agentes de inteligência artificial
“No futuro, cada empresa poderá ter seu próprio agente de IA negociando em seu nome”
Sobre o especialista
Chirag Shah é professor na Information School da Universidade de Washington., de onde dirige o InfoSeeking Lab e co-dirige o Center for Responsibility in AI Systems & Experiences (RAISE). Sua pesquisa concentra-se em agentes de IA, acesso inteligente à informação e IA responsável. Autor de oito livros e quase 200 publicações acadêmicas, suas contribuições para a ciência de dados e inteligência artificial lhe renderam amplo reconhecimento internacional. Suas distinções incluem o Prêmio Karen Spärck Jones, a filiação à Academia SIGIR e o status de Membro Distinto da ACM e da ASIS&T.
Os agentes de IA são uma moda passageira ou estão destinados a transformar a forma como as empresas operam? A Mecalux conversou com Chirag Shah, professor de informática na Universidade de Washington e um dos principais especialistas em inteligência artificial, para analisar como esses agentes estão redefinindo a vida cotidiana, a forma como as empresas funcionam e o futuro da colaboração entre humanos e IA.
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Nem todo mundo sabe o que é um agente de IA…
Os agentes de IA não são um conceito novo; fazem parte da inteligência artificial desde o seu surgimento. Essencialmente, um agente é qualquer entidade, seja software ou hardware, capaz de coletar informações e agir de forma autônoma. Historicamente, a visão inicial dos agentes estava ligada à robótica: máquinas capazes de operar e tomar decisões no mundo real sem a necessidade de instruções humanas.
Hoje em dia, quando falamos de agentes de IA, estamos nos referindo principalmente a agentes de software. Mas o princípio é o mesmo: sistemas que tomam decisões, executam tarefas atribuídas e agem em nosso nome. Um termostato, por exemplo, é um agente que decide independentemente quando ligar o aquecimento ou o ar-condicionado quando certos limites são excedidos. Em um nível mais avançado, um carro autônomo também é um agente, embora muito mais complexo.
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O que está impulsionando o atual crescimento de agentes de IA?
Os agentes estão vivenciando um ressurgimento graças a modelos fundamentais. Ao contrário da geração anterior, como Siri ou Alexa, que se limitavam a tarefas muito específicas, os agentes atuais podem contar com grandes modelos de linguagem, sistemas de visão ou ferramentas multimodais.
Estes agentes vão além de suas próprias capacidades. Se não conseguem realizar um cálculo, recorrem a uma calculadora; se não sabem o preço de uma ação, consultam uma plataforma de trading ou pesquisam na internet. Alguns são até capazes de escrever código para resolver problemas. Além disso, os modelos fundamentais estão aprimorando o raciocínio e a capacidade de fazer conexões, tornando os agentes de hoje muito mais competentes, eficazes e práticos do que as gerações anteriores.
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Então agora você pode assumir tarefas mais complexas?
Exatamente. Sua capacidade de usar ferramentas, raciocinar e até mesmo colaborar com outros agentes mediante frameworks como AutoGen ou LangChain permite que enfrentem desafios que antes pareciam inatingíveis. Hoje, já existem sistemas multiagentes que resolvem tarefas que eram complexas demais para um único sistema.
Dito isto, a cada nova geração de agentes, surge sempre a ideia de que "desta vez é a solução definitiva", até que seus limites se tornem aparentes. Os agentes de hoje não são exceções. É por isso que escrevi Agents are not enough, para lembrar que não basta criar sistemas mais potentes.
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Em sua publicação acadêmica, apresenta as ideias de sims e assistentes privados.
Se você pedir a um agente para reservar uma viagem, um agente verdadeiramente proativo e personalizado não apenas sugerirá voos, mas também poderá recomendar trens, antecipando suas preferências A experiência com gerações anteriores de agentes de IA demonstra que, se se limitam a fornecer previsões do tempo, tocar música ou ligar e desligar luzes, não geram valor suficiente para que os usuários continuem a utilizá-los, muito menos estejam dispostos a pagar por eles. O verdadeiro valor surge quando os agentes conseguem assumir tarefas complexas. No entanto, não basta que simplesmente consigam lidar com a complexidade: os usuários também exigem personalização e proatividade. Por exemplo, se pedir a um agente para reservar uma viagem de Barcelona a Toulouse, um agente verdadeiramente proativo e personalizado não apenas sugerirá voos, mas também poderá recomendar trens, antecipando suas preferências.
Mas atingir um alto nível de personalização apresenta desafios significativos de privacidade. Um agente pode exigir acesso a informações confidenciais, como registros médicos, dados financeiros ou rotinas pessoais. Se estes dados forem entregues a agentes públicos, existe o risco de comprometer a confiança do usuário.
Minha pesquisa propõe um sistema dual com duas categorias de agentes: público e privado. O assistente privado pertence inteiramente ao usuário, sem qualquer motivação comercial, e se baseia no que chamo de sims (representações de diferentes facetas da vida, do trabalho e finanças à saúde e rotinas pessoais). Com essas informações, o assistente privado pode criar tarefas altamente personalizadas, mantendo seus dados sob controle. Somente quando você dá sua aprovação, ele recorre a agentes públicos para executar a tarefa. Dessa forma, o assistente não age aleatoriamente nem precisa fazer perguntas infinitas de esclarecimento, pois já o conhece bem o suficiente. Em vez de respostas genéricas, ele oferece recomendações personalizadas com uma probabilidade de erro muito menor do que um agente público.
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Como os agentes de software diferem dos agentes físicos ou robóticos?
Quando eu era estudante, a definição de agente se concentrava em sistemas incorporados: robôs no mundo real que usavam sensores e sinais ambientais para tomar decisões. No entanto, na última década, o foco mudou para agentes de software. Hoje, com o avanço da robótica, algumas dessas ideias iniciais estão começando a se tornar realidade, especialmente em ambientes controlados como fábricas, onde robôs estão sendo utilizados como agentes.
No entanto, para a maioria dos usuários, os agentes com os quais interagem diariamente ainda são principalmente softwares: assistentes de compras, ferramentas de produtividade ou bots de atendimento ao cliente. Com o tempo, essa linha se tornará tênue. O ideal é que as pessoas não precisem se perguntar se uma tarefa está sendo executada por um robô físico ou por um software. Elas simplesmente dirão: "Quero que esta tarefa seja realizada", e o agente apropriado, seja físico ou digital, a executará.
A opção mais promissora é um futuro de colaboração entre humanos e IA
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Como acredita que os agentes de IA transformarão a forma de trabalhar e colaborar entre humanos e máquinas?
Não vejo um futuro em que agentes substituam completamente os humanos como algo realista. Algumas pessoas defendem essa ideia, mas não acho que seja desejável nem viável. Também não acho que faça sentido descartar agentes de uma vez. A opção mais promissora é um futuro de colaboração entre humanos e IA.
Tomemos a medicina como exemplo. Quando um caso é complexo, muitas vezes envolve uma equipe de médicos de diferentes especialidades trabalhando em conjunto para emitir um diagnóstico. Em poucos anos, essa equipe poderá incluir não apenas médicos humanos, mas também agentes de IA especializados em áreas específicas. Nesse cenário, os agentes forneceriam rapidez, capacidade analítica e alcance, enquanto os humanos contribuiriam com julgamento, empatia e responsabilidade. Dessa forma, eles poderiam diagnosticar casos com muito mais rapidez e precisão.
Essa abordagem enfatiza a colaboração aumentada. Os agentes não devem privar os humanos do controle, especialmente em áreas críticas como saúde ou transporte, onde erros podem ter consequências graves. Em vez disso, eles podem ampliar as capacidades humanas, facilitando resultados mais precisos e eficientes.
A IA permitirá negociações e ações em tempo real nas cadeias de suprimentos e operações empresariais -
Muitas empresas já estão testando agentes de IA em operações, logística e cadeias de suprimentos. Mas até que ponto é realista permitir que esses agentes tomem decisões que afetam diretamente a receita?
Os agentes se destacam pela velocidade e capacidade de trabalhar em larga escala: podem processar enormes volumes de dados e tomar decisões muito mais rápido do que humanos. No entanto, o desempenho não depende apenas da quantidade. Considere uma linha de produção: a produção em massa requer automação para escalar e ganhar eficiência de custos. Mesmo assim, as pessoas continuam essenciais, não apenas para projetar sistemas e implementar boas práticas, mas também para garantir qualidade, controle e responsabilidade.
Embora os agentes possam acelerar os processos, a responsabilidade sempre recai sobre a empresa. Não se pode dizer aos reguladores ou aos clientes: "O agente fez isso". Em definitivo, a empresa é responsável pelo resultado, independentemente de a decisão ter sido tomada por uma pessoa ou por um sistema de IA.
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Vários pesquisadores já estão experimentando agentes de IA em cadeias de suprimentos para negociar e firmar acordos. Quanto tempo levará até os vermos negociando em nome de empresas?
Isso já acontece em diversas áreas. No mundo da publicidade, por exemplo, as negociações são realizadas constantemente e em frações de segundo. Tantos parâmetros interferem na venda e distribuição de anúncios que a negociação humana tradicional se tornou inviável. No passado, não se falava em "agentes", mas, em essência, eram: processos que tomavam decisões em tempo real para clientes e fornecedores. O mesmo acontece no mercado de ações, onde os agentes executam negociações em velocidades inatingíveis para humanos.
No futuro, cada empresa poderá ter seu próprio agente de IA negociando em seu nome e interagindo diretamente com os agentes da parte contrária. E não se trata de ficção científica: já está acontecendo. Cada vez mais empresas podem aproveitar esses recursos para acelerar negociações envolvendo inúmeras variáveis em tempo real, uma tarefa quase impossível para humanos. Nesse sentido, a tecnologia pode desempenhar um papel decisivo.
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Alguns projetos de logística já combinam digital twins com agentes de IA para simular cadeias de suprimentos completas. O mesmo está acontecendo em outros setores?
A verdadeira oportunidade está em aprender com os sucessos e erros de outras indústrias Muitos sistemas que hoje chamamos de “agentes” ou “digital twins” são utilizados há anos em setores como finanças, saúde e comércio varejista. Em retrospecto, podemos afirmar serem exemplos de negociação entre agentes ou de sistemas multiagentes, embora não fossem chamados assim. Quem resolvia problemas reais não pensava em rótulos, simplesmente projetava processos que funcionavam.
As finanças são um bom exemplo. Grande parte das transações já é realizada de forma autônoma através de agentes, que geralmente são sistemas baseados em regras claras, explicáveis, auditáveis e escaláveis, algo crucial em um setor tão regulamentado. A saúde oferece outra lição: a IA é integrada como uma ferramenta de apoio, não como um substituto. Os médicos podem utilizá-la para análises ou anotações, embora a responsabilidade final continue sendo deles. No varejo, a fixação dinâmica de preços é outro caso consolidado. Plataformas como Uber ou DoorDash ajustam os preços em tempo real segundo a demanda e a disponibilidade. Os humanos supervisionam o sistema, mas não fazem os cálculos. Portanto, as cadeias de suprimentos também podem se beneficiar desses métodos. A verdadeira oportunidade consiste em aprender com os acertos e erros de outras indústrias.
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Que conselho daria aos líderes empresariais que estão pensando em implementar agentes de IA?
Embora grande parte da minha pesquisa e consultoria se concentre em agentes de IA, costumo começar com uma ressalva: "Tem certeza de que quer agentes?". Na minha experiência, empresas que investem em IA com as motivações erradas, por exemplo, "todo mundo está fazendo isso, então nós também deveríamos", mais cedo ou mais tarde acabam se arrependendo. Já vi muitos projetos fracassarem ou se tornarem muito caros.
Em definitivo, o que realmente importa é administrar o negócio, resolver problemas, entregar valor aos clientes e cumprir as regulamentações. Meu conselho é simples: concentre-se no problema que você quer resolver. Comece pela solução, não pelo nome. Concentre-se no negócio e encontre soluções que atendam às suas necessidades. A longo prazo, isso será muito mais útil do que se deixar levar pela última moda ou pelo hype da mídia.